18/07/2025

Breves palavras sobre os limites constitucionais do IOF

Por: Edison Fernandes
Fonte: Valor Econômico
Em 1215, os barões ingleses impuseram ao monarca de plantão a chamada
Magna Carta Libertatum; dentre as exigência dos súditos, estava o princípio
“non taxation without representation”, isto é: nenhum tributo poderia ser
criado sem o consentimento da cidadão e do cidadão contribuinte, que se daria
por meio dos seus representantes. Esse princípio chegou até nós como a
legalidade tributária (artigo 150, I da Constituição Federal): não há tributo
sem deliberação do Congresso Nacional, os representantes das cidadãs e
cidadãos do Brasil. Portanto, todo tributo brasileiro recebe seus limites do
Congresso Nacional, inclusive o Imposto sobre Operações Financeiras – IOF.
A lei tributária é que determina o sujeito passivo (quem vai pagar), o fato
gerador (por que se vai pagar), a base de cálculo (sobre qual riqueza se vai pagar)
e a alíquota (quanto se vai pagar). No caso dos impostos regulatórios, o texto
constitucional permite ao Poder Executivo, por meio de decreto, aumentar ou
reduzir a alíquota, dentro dos limites legais (legalidade mitigada), e essa medida
executiva passa a valer na data da publicação do ato, afastados os prazos da
anterioridade. Essas flexibilizações da legalidade fazem todo sentido, pois
imposto regulatório serva para que o Poder Executivo intervenha
imediatamente em determinados mercados e em determinadas situações. O
consenso entre os estudiosos do tema (constitucionalistas, tributaristas,
financistas, economistas etc.) é no sentido de que, embora contribuam para a
arrecadação de tributos, os impostos regulatórios não se justificam apenas pelo
efeito arrecadatório.
Pois bem, esse não parece ser o entendimento do Supremo Tribunal Federal
(STF). Seguem alguns exemplos.
Em 1998, a Medida Provisória n° 1.788, convertida na Lei n° 9.779, instituiu o
IOF sobre mútuos (empréstimos e transações financeiras) entre empresas do
mesmo grupo econômico. Por não se tratar de mercado financeiro, passível de
regulação pelo governo, sua constitucionalidade foi levada ao Poder Judiciário
e o STF resolveu a questão no Tema 104: “É constitucional a incidência do IOF
sobre operações de crédito correspondentes a mútuo de recursos financeiros
entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física, não se
restringindo às operações realizadas por instituições financeiras”.
Em 2007, o Congresso Nacional rejeitou a prorrogação da CPMF. Em
substituição, o governo aumento o IOF em 0,38% - “coincidentemente” a
alíquota da CPMF. Novamente, a questão foi levada ao Poder Judiciário e o
STF decidiu no Recurso Extraordinário n° 800.282: “A receita de impostos
compõe a reserva necessária para fazer frente a toda e qualquer despesa uti
universi, não havendo que se presumir que a majoração do IOF tenha ocorrido
necessariamente para repor a perda dos valores anteriormente arrecadados por
meio da CPMF. Não há qualquer evidência de que a majoração do IOF,
perpetrada pela Portaria MF 348/1998, teve o condão de modificar a natureza
jurídica do imposto, desviando sua finalidade e transformando-o em tributo
com arrecadação vinculada. A tese da agravante está embasada em meras
suposições, carecendo de efetivo fundamento jurídico”.
Mais recentemente, em 2021, o governo federal aumentou o IOF, afirmando
expressamente que utilizaria a arrecadação excedente para financiar o Auxílio
Brasil. Novamente a constitucionalidade do IOF “arrecadatório” foi levada ao
Poder Judiciário. No STF, decisão monocrática do ministro André Mendonça
foi no seguinte sentido: “(...) Assim, a meu ver, não há nenhuma evidência de
que a majoração do IOF, por meio do Decreto nº 10.791, de 2021, objetivou
modificar a natureza jurídica do imposto, de modo a desviar sua finalidade e
transformá-lo em tributo com arrecadação vinculada. Nesse ponto, saliento não
ser possível afirmar, concretamente, que os recursos provenientes dessa
majoração foram efetivamente destinados para custear o Auxílio Brasil. Verifico
que, na verdade, os argumentos da parte recorrente fundamentam-se em meras
suposições, prescindindo de efetivo fundamento jurídico (...)”.
Diante desses precedentes, por que estranhar a decisão do STF no caso atual
do aumento do IOF?
Na minha percepção, a principal diferença entre os aumentos anteriores e o
atual reside na atuação do parlamento brasileiro. De acordo com o artigo 49,
inciso V da Constituição Federal, é “competência exclusiva” do Congresso
Nacional “sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do
poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa”.
Como mencionado no início deste texto, a competência tributária é do
Congresso Nacional (representantes da cidadão e do cidadão contribuinte). No
caso dos impostos regulatórios, foi delegada parte dessa competência ao Poder
Executivo. No entanto, essa delegação está sujeita à aprovação do poder que
tem a competência originária. Em tese, o Congresso Nacional poderia “sustar”
os decretos presidenciais. A dúvida é: mesmo em matéria julgada constitucional
pelo STF?
Enfim, o espírito da Constituição (a vontade do constituinte originário) e o
consenso dos estudiosos, em abordagem multidisciplinar, parecem indicar a
inconstitucionalidade do efeito exclusivamente arrecadatório do IOF.
Entretanto, também parece que o STF, guardião da Constituição Federal, opina
de maneira diferente.